Mês: novembro 2012

Anarquia no Tiradentes

Tem um filme de 1979 que virou “cult” chamado Rock’n’roll High School, no qual os Ramones aparecem tanto compondo a trilha sonora quanto atuando, como eles mesmo, no filme, que ao final mostra os alunos detonando, literalmente, a Vince Lombardi High School. Rebeldia absoluta.

Episódio de rebeldia ocorreu certa vez no Tiradentes. Curioso que foi num momento em que os alunos, pais e professores experimentaram um raro momento de exercício democrático. Foi quando escolhemos, pelo voto, o nosso diretor. E o nome que escolhemos foi o do professor Osvaldo Eduardo di Pietro, o Vadão.

Porém, as coisas não caminharam bem para ele na nova função. Logo, estávamos suspeitando de que havia algum conluio secreto para atrapalhar a vida do Vadão. Alguns de nós, então, resolvemos protestar. E o recurso que usamos foi a anarquia.

Não demorou para haver bombinhas estourando nas lixeiras do colégio. Numa tentativa mais grave de terrorismo, tentamos mandar pelos ares a privada do banheiro dos meninos.

Osvaldo Di Pietro, o Vadão: o terrorismo, como era de se esperar, não ajudou em nada (foto: Isadora Manerich)

O Vadão, obviamente, não ficou contente com essa bizarra manifestação de apoio. Tampouco isso ajudou na sua causa, antes pelo contrário. Fato foi que, ao final, o Vadão deixou precocemente o cargo.

Lamentamos porque o Vadão a gente conhecia, e respeitava, desde a época em que ele tinha barba. Sim, a barba era uma marca registrada, assim como o bigodão que ele ostenta até hoje. Lembro-me do susto quando o vimos pela primeira vez sem ela – parece que sacrificou a barba por uma aposta perdida.

O Vadão também estava lá num período mágico na infância da minha turma, quando reuniu todo mundo num time de futebol. Nos finais de tarde, a rapaziada se juntava no Tiradentes para aprender a jogar bola (não aprendi, infelizmente). A jornada rendeu uma inesquecível partida lá no Matadouro, em Itajaí, quando promovemos um gato: naquele jogo, o Ednei virou o Isaías.

[Bem depois disso o Vadão foi treinador do Cervejas, mas nem ele podia fazer aquele time, que tem compulsão por perder, ganhar um título… Também não o mandamos embora, foram as circunstâncias que afastaram a ambos.]

Mais tarde, quando decidimos fundar o Pirão d’água, recorremos ao Vadão para nos ajudar, pois ele era jornalista formado e podia ser responsável pelos desatinos que cometíamos nos primeiros meses do jornal. E ele, generosamente, aceitou. Mas aí havia eleições à frente, o Vadão estava no páreo, e tivemos que declinar da preciosa ajuda. Mas ele não deixou de colaborar com o jornal, assumindo a “editoria” de esportes durante quase todo o tempo em que o jornal existiu.

Depois o Vadão seguiu procurando colaborar com a causa pública, como vereador e também como secretário de Esportes. Deve ter visto quanto uma coisa e outra podem ser espinhosas. Largou disso, como também largou das aulas. Hoje, vive de alugar imóveis e de fazer a crônica da memória esportiva de Porto Belo. Sem abrir mão do seu papel de cidadão.

Miltinho

A última pessoa que viu o Miltinho foi o Evandro. Assim disseram. No Morro de Bombas, com as mãos nos bolsos. Mas deixem eu antes falar do Miltinho…

Minha lembrança mais nítida é dele sentado à frente da carteira de professor lá no Tiradentes. Uma blusa (suéter?) verde escuro com o jacarezinho da Lacoste bordado no lado esquerdo, as mãos espalmadas no tampo da carteira parecendo desproporcionais.

Milton foi um amigo da minha pequena turma de contabilidade, além de professor. Falava de filmes (mencionou um do Charles Bronson o qual nunca vi – Alguém atrás da porta) e soube serenar nossa perplexidade naquele ano em que o Collor havia ganhado a eleição. Apreciava falar de política e debatia com a gente sobre o futuro do país com otimismo.

A notícia de que havia escolhido ir-se antes do tempo foi um choque. Lembro bem daquela manhã, quando as notícias chegavam à rodoviária de Porto Belo, onde eu trabalhava, dando conta (e exagerando) dos detalhes de sua morte.

Foi naquela noite ou na seguinte que o Evandro perdeu o ônibus que levava o pessoal do Tiradentes que morava para lá do Morro de Bombas. A solução foi atravessar o morro a pé, sozinho e de noite. E foi o que ele fez, até que, no meio do caminho, algo iluminou um vulto que estava parado à frente – o farol de um carro em descida, talvez. Evandro viu então quem estava ali e desceu todo o caminho que fizera em disparada. Só parou, dizem, quando alcançou o Maria Mariá, onde alguns colegas ainda deviam estar jogando sinuca.

Sei que não faz o menor sentido, mas sempre que lembro do Milton essa história vem junto. Uma história que ele mesmo talvez achasse graça, não fosse ele próprio o protagonista. E tem outra:

No outro dia, alguns rapazes combinavam uma caçada no morro. Decidiram sair na madrugada seguinte, pelas cinco horas, mais ou menos:

– Então tá certo. Essa noite eu durmo na casa do Murilo e amanhã tu vai lá e encontra a gente. – No que o Vilsinho replicou: – Nada disso! Depois que viram o Miltinho no morro, com a mão no bolso?! Vocês é que vão lá me buscar!

Disso, sim, ele daria boas risadas.

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