Faz um tempo, ao voltar para casa, encontrei o Lipa. Como sempre, em sua bicicleta. Na conversa, ele pediu: – Faz pra mim uma estampa do “Diabo Loiro”. Respondi que sim e ele avisou que no domingo seguinte estaria ali na minha casa (éramos quase vizinhos) para o trabalho. Mas jamais apareceu.

Quem conheceu o Lipa vai se lembrar do sujeito afável, de uma magreza de faquir, barbado, quase sempre pilotando tranquilamente uma “magrela” ou pintando alguma parede. “Diabo Loiro” era como ele gostava de se intitular, em alusão aos seus bons tempos como goleiro no futebol de areia de Porto Belo.

Curioso era vê-lo, nesses últimos tempos, passeando pela vizinhança com o Tonico pela coleira, este convalescendo de um atropelamento recente. Difícil saber qual dos dois inspirava maior comiseração.

Certa vez, o Lipa pediu que o internassem, me contaram, depois que havia torrado todo o salário de um mês numa única noite. Em outra ocasião, foi recolhido desacordado na beira de uma estrada, abandonado pelos colegas de cachimbo.

Faz alguns dias, chegou em casa, trancou-se no quarto e se bateu com seus demônios durante toda a noite. O resultado foi desastroso para o “Diabo Loiro”: encontraram-no devastado e o retiraram do quarto na madrugada como um cristo recolhido do calvário. Disseram que os socorristas, ao vê-lo, perguntaram se havia tomado uma surra.

Lipa adormeceu no sono do coma para não mais acordar. No velório, teve a companhia da Nadir, outra que andou por trilhas tortas. Foram enterrados nesta linda manhã de outono.