Produção cultural na cidade deu um salto nos últimos anos

Há exatamente um mês, uma trupe de artistas desfilava pelas ruas de Canelinha, chamando a atenção das pessoas que trabalhavam nas lojas, atraindo olhares curiosos de senhores que pedalavam tranquilamente suas bicicletas e de quem mais assistisse àquela cena incomum na rotina pacata da cidade. Malabaristas, palhaços, músicos, piratas em monociclos, duendes e figuras se equilibrando em pernas de pau formavam o cortejo que dava início ao Circo na Rua, evento voltado às artes circenses.

Nem bem a poeira baixou e, neste fim de abril, uma nova programação cultural já movimenta a cidade: o Abril dos Bonecos comemora os 30 anos do teatro lambe-lambe – em que espetáculos em miniatura acontecem dentro de caixas, com os personagens sendo manipulados pelos caixeiros – e ao Dia Nacional do Teatro de Bonecos, celebrado em 27 de abril.

O evento é promovido pela Cia Circo-Íris e Pequeninus Grupo de Arte, em parceria com o Olaria Coletivo de Artes, patrocínio da Rádio Canelinha FM e Centro Educacional Novo Ideal (Ceni), além de apoio do Supermercado Macris, Sesc Ler Tijucas e Prefeitura de Canelinha, através da Coordenação de Cultura do município.

Malabaristas, palhaços e piratas invadem Canelinha: cena incomum (fotos: Isadora Manerich)

As constantes atividades culturais realizadas em Canelinha chamam a atenção e têm colocado a cidade em evidência na região quando o assunto é produção cultural. A programação efervescente deve muito à atuação do Olaria Coletivo de Artes, formado pela Cia. Circo-Íris, Pequeninus Grupo de Arte, Cia. Andante, La Luna Cia. de Teatro, Cia. Avenida Lamparina, Cia. Dois Pontos: una e pelo artista José Victor Pereira.

CIDADE ATRAI ARTISTAS

Na tarde desta quinta-feira (26), a Praça da Igreja Matriz está agitada com uma turma de alunos do Ceni, que se aglomeram em filas para espiar as histórias que se desenrolam dentro das caixas de teatro lambe-lambe. Enquanto o companheiro Alex Nascimento apresenta a peça “O Faquir”, o multiartista Humberto Soares, 43 anos, conta como o Pequeninus Grupo de Arte, formado pelos dois, desembarcou em Canelinha.

Corria o ano de 2015 quando ambos chegaram à cidade para trabalhar na montagem de uma peça, dirigida por Jô Fornari, que havia se mudado de Itajaí para o Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB) Mendjila, localizado na Índia, bairro rural do município. O trabalho deveria demandar uns seis meses, mas acabou se estendendo por um ano e meio. Alex e Humberto viviam em Joinville e acabaram gostando do lugar. Pacato, com a possibilidade de um contato mais próximo com a natureza, vocação para um jeito mais simples de viver e, além disso, bem posicionado geograficamente, permitindo fácil acesso às cidades em que geralmente se apresentavam. Decidiram ficar.

Abril dos Bonecos: evento celebrou os 30 anos do teatro lambe-lambe

Faz quase dez anos que Canelinha é a sede do CEBB Mendjila. Em novembro de 2015, um templo com capacidade para 300 pessoas foi inaugurado no local e tornou a cidade uma das referências para os praticantes do budismo no país. O centro conta com áreas destinadas a moradias permanentes, o que tem atraído adeptos e simpatizantes da filosofia.

Luca Tuã e Rafaela Catarina Kinas, casal que forma a Cia. Circo-Íris, também conheceram Canelinha através do centro budista. Participaram como voluntários em um evento e ficaram encantados com a tranquilidade que a cidade aparentava, além da disponibilidade de comprar alimentos orgânicos diretamente de uma produtora local. Morar em Blumenau já não os satisfazia e os amigos artistas que viviam em Canelinha apoiaram a mudança. Luca e Rafaela colocaram o circo nas costas e foram para uma casa num bairro do interior da Cidade das Cerâmicas.

LAÇOS AFETIVOS E LUTA PELA CULTURA

Toda essa turma já se conhecia do perambular artístico pelo Estado e trataram de unir-se e atrair ainda mais pessoas. “Num primeiro momento a gente foi construir laços afetivos, estar junto. Quando estamos viajando, quem cuida dos nossos cães, por exemplo? É essa rede afetiva”, comenta Rafaela sobre o embrião do Olaria Coletivo de Artes. O movimento uniu os forasteiros a artistas locais, como a fundadora da La Luna Cia. de Teatro e formada em Artes Cênicas pela Udesc Amália Laus Leal e o fotógrafo José Victor Pereira.

Alunos do Ceni na Praça da Igreja Matriz: “Acho que todo mundo quer arte”

“Acho que todo mundo quer arte”, pondera Humberto Soares. Com este pensamento, o coletivo partiu para a busca por pautas culturais que considera importantes. A primeira luta foi pela reabertura da Biblioteca Municipal Raul Miguel Vieira, localizada na praça em que os caixeiros apresentam suas peças nesta tarde de quinta-feira. A biblioteca foi reativada em 2017 e hoje tem mais de 150 leitores cadastrados.

Subordinada à Secretaria de Educação, Cultura, Esporte e Juventude do município, a Coordenação de Cultura não tinha ninguém à sua frente. Essa foi a segunda conquista do grupo, que protocolou um documento junto aos poderes Executivo e Legislativo do município em que reivindicava representatividade no poder público. A sugestão foi acatada pela Prefeitura e a atriz, produtora e diretora de teatro Jô Fornari, 45 anos, foi nomeada para a pasta.

Entre as ações do coletivo podem ser enumerados diversos eventos, como a Marafunda Cultural, o Circo na Rua, o Abril dos Bonecos e a inserção da cidade na rota de peças de teatro. Outra conquista recente é bastante representativa: o Galeão, local que por muitos anos foi uma casa noturna conhecida na região, foi transformado em espaço de artes no fim de 2018. No local, os artistas da cidade podem ensaiar e acontecem oficinas de artesanato, dança, circo, teatro e xadrez.

ARTE CIDADÃ

Quando se mudaram para Canelinha, o objetivo de Luca Tuã e Rafaela Catarina Kinas, da Cia. Circo-Íris, era viajar mostrando seu trabalho e viver de arte. As prioridades, porém, mudaram com o desenrolar do movimento artístico em Canelinha. Não deixaram de se apresentar em outros lugares, mas o engajamento para fortalecer a arte onde moram toma parte considerável do tempo. “Esse movimento de Canelinha é sobre ser artista e cidadão. Conseguimos entender que esse papel enriquece muito mais o nosso trabalho”, afirma a palhaça e gestora cultural Rafaela, 28 anos.

Após se estabelecer, coletivo de artistas quer conquistar público

A principal luta, no momento, é para formar um público espontâneo. Eventos culturais realizados em parceria com o poder público geralmente contam com a presença de alunos de escolas da cidade, mas o objetivo é fazer as pessoas criarem gosto por comparecer aos espetáculos.

Na noite da última sexta-feira (26), durante a programação do Abril dos Bonecos, a Coordenadora de Cultura da cidade, Jô Fornari, via com alegria o público que chegava ao Auditório da Secretaria de Educação e Cultura, para prestigiar a peça “Ivan Titerenovich e os males do tabaco”, da Cia. Cênica Espiral. O espaço não estava lotado, é verdade, mas cada espectador que atende ao chamado do “povo da cultura” e comparece aos eventos é comemorado. O movimento é lento e esse pessoal sabe disso. “O Olaria mostrou para a cidade que tem artistas morando aqui”, assegura Humberto Soares. E parece que o público está entendendo o recado.