Categoria: Música

O porta-voz do rock catarina

Daniel Silva, criador do site Rifferama, é o responsável por colocar a música do Estado no mapa

Nos idos dos anos 1980, quando a música pop dominava a programação das rádios FM, vivia-se um boom de bandas nacionais: tínhamos o chamado “BRock”, movimento devidamente radiografado pelo jornalista Arthur Dapieve no livro de mesmo nome, lançado em 1995. Era uma época em que se ouvia muito Barão Vermelho, Legião Urbana e Paralamas do Sucesso — sem contar a safra de bandas gaúchas, encabeçada por Engenheiros do Hawaii e Nenhum de Nós.

Bons tempos? Daniel Silva arrebenta com essa ilusão de uma paulada: a maioria das bandas desse período era uma bela porcaria (ele usa uma palavra um pouco menos graciosa). Bom mesmo, em sua opinião, é o som que se faz hoje em dia — em especial, aqui mesmo no Estado. Daniel sabe do que está falando, pois é o responsável pelo Rifferama, o site que mais garimpa talentos da nova cena autoral catarinense.

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Um músico em busca do “cardume certo”

Após lançar o primeiro álbum, Hoje é o melhor dia de todos até hojeo músico tijuquense Guilherme Franzói quer consolidar seu público

O que determina o sucesso de um músico? Depende do parâmetro que você usar. Se o seu grau de exigência for elevado, um canal no YouTube com milhares de seguidores e músicas bombando no Spotify seria uma medida razoável. Shows pelo país com casa lotada e cachês generosos, melhor ainda. Todo artista concorda com isso. Por que com Guilherme Franzói seria diferente?

De fato, esse é um horizonte que ele almeja alcançar. De momento, porém, algumas coisas nada desprezíveis o tijuquense de 29 anos já conquistou: vive e paga as contas com o que ganha de seu conhecimento musical. Além disso, ano passado ele debutou na cena catarinense com o primeiro CD, Hoje é o melhor dia de todos até hoje. “É o sonho de todo artista”, reconhece.

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Biel coleciona música (e muito mais)

Audiófilo e fuçador, Carlos Gabriel construiu um acervo de bolachões de respeito

Na Olavo Berlinck, uma estreitíssima rua paralela à avenida principal de Tijucas, encontramos um gourmet. Não, Biel não é um apreciador da alta gastronomia (ou seria? Acabou que não lhe perguntei a respeito). Ele é, isso sim, um degustador da fina-flor do samba e da MPB, o que faz com a cerimoniosa dedicação de qualquer bom “garfo”. Podemos dizer, para melhor compreensão, que Biel coleciona música.

“Eu gosto de guardar velharia”, descomplica o tijuquense de 35 anos que traz na certidão o aristocrático nome de Carlos Gabriel de Campos Silva. Topógrafo a serviço da concessionária Autopista Litoral Sul há uma década, Biel é talvez um dos mais importantes colecionadores de música brasileira da região.

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Cezinha: suor pela música

Como é normal de qualquer cara que tenha crescido num ambiente impregnado de acordes, Ângelo César da Silva, 35, corria mesmo sério risco de se tornar o músico que é. Contrabaixista com contribuições em boa parcela da produção musical do Estado e tendo conhecido um relativo estrelato compondo a “cozinha” da festejada banda portobelense Uniclãs, Cezinha faz pouco mais de um ano decidiu assumir a difícil tarefa de pagar suas contas exclusivamente com o suor da sua arte. Percalços à parte, está satisfeito com sua decisão.

Nas noites de sexta ou sábado, o Tatuíra, no centro de Porto Belo, é o palco mais frequente do músico. Cezinha, entretanto, se desdobra: grava com artistas já tarimbados, muitos dos quais é fã assumido (o itajaiense Vê Domingos é um deles), participa do Sarau Afro-açoriano, premiado projeto de música folclórica de Porto Belo, do Música Orgânica, capitaneado pelo ex-parceiro de Uniclãs André “Coveiro”, e também dá aulas do seu instrumento em escolas de música e para particulares. “Não tem como ser só uma coisa”, explica. “Todo dia tem que estar correndo atrás”.

Filho e neto de cantadores de reis (sua reminiscência musical mais primitiva é um “terno” que testemunhou na infância, na casa de vizinhos na Enseada Encantada), natural de Porto Belo, quando garoto Cezinha se apropriou do violão paterno e criou o hábito de se trancar no quarto para aprender a tocar e compor. Tinha nessa rotina a cumplicidade do primo Jefferson Otto. Juntos, rabiscavam composições, curtiam o início da MTV no Brasil, ouviam discos e dividiam o gosto pelo pop rock nacional do final dos anos 1980, começo dos 90.

Nesse período, Cezinha vivia em Itajaí. Quando, aos dezessete, voltou a morar em Porto Belo ― que havia deixado aos seis ― ele e o primo se uniram a André Gomes de Miranda. “Coveiro” já cantava e tocava, e foi fundamental para alavancar os sonhos da dupla. Juntos, convocaram outros aspirantes a músico, arranjaram instrumentos emprestados e começaram a animar os intervalos de recreio no Colégio Estadual Tiradentes, sob o nome Cordas de Varal. Tornaram-se populares entre a garotada da escola, embora o som não fosse aquelas coisas, segundo Cezinha.

Na época, outro colega tocava baixo e, quando saiu, não restou-lhe alternativa que não assumir a função.

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Cezinha: “Tô ralando bastante”

E foi com ele tocando baixo que os amigos fundaram a Tormenta, um estágio musical um pouco mais avançado, com apresentações em bares e eventos da cidade. A banda terminou e os integrantes se separaram: Cezinha, Jeffinho e o guitarrista Alex Sancho ― outro nome que terá importância na história do músico ― foram para a Gato Preto, de Tijucas; Coveiro se reuniu a outros colegas e criou a Al Jihad.

UNICLÃS

Não demorou, entretanto, para todo mundo voltar a se reunir, dessa vez sob as asas de um voo bem mais ambicioso: a Uniclãs. O estopim dessa reunião foi a descoberta da veia artística do também primo Fernando Kruscinski: Nando não apenas compunha, como cantava bem, possuía timbre marcante. Em torno dele, todos os amigos resolveram apostar num projeto autoral. Batizaram a iniciativa Uniclãs para evidenciar a mistura de influências musicais que a banda teria e a forte afinidade entre todos.

“Era mais que uma banda. Era uma família”, lembra Cezinha com saudade. “Era” talvez não seja o tempo verbal mais correto, porque o grupo está numa espécie de stand by, após várias idas e vindas. Mas o período mais marcante da banda, de fato, passou. Foi no início dos anos 2000, quando pôs seu nome no mapa da música catarinense, conquistando um festival de bandas em Joinville, e gravando um clipe como prêmio, depois uma demo e, em 2003, embarcando para São Paulo para gravar, no estúdio do ex-RPM Luiz Schiavon, seu primeiro álbum, Viagens no Exílio.

“A gente nunca tinha saído da nossa região”, Cezinha sublinha a mudança que isso representou. Talvez uma mudança muito súbita, e por isso a rapaziada não conseguiu administrar, ele pondera. A Uniclãs obteve sucesso, realizou grandes shows, o último no teatro de Itajaí, em novembro do ano passado, em mais uma tentativa de retorno. Uma nova reunião, no momento, não parece provável.

NOVOS PROJETOS

Cezinha lamenta, mas não tem muito tempo para remoer o passado. É preciso certo malabarismo para administrar a carreira de músico, colocar o contrabaixo a serviço de diferentes artistas e da aspiração de quem o tem como referência. Para isso, “cancha de palco” só não basta. Por isso, Cezinha concluiu o Conservatório de Música de Itajaí (onde conheceu a intérprete Adriana Benvenuti, com quem casou há dois anos e meio) e está cursando bacharelado em música em Curitiba (PR). “Tô ralando bastante”, garante.

E nisso já se vão uns vinte anos de “ralação”. Natural que, em algum momento, uma sombra de dúvida paire sobre sua cabeça. É porque a rotina às vezes pode esmagar o entusiasmo e nos fazer encarar a temível pergunta: “Será que estou no caminho certo?”. Cezinha mais de uma vez se questionou a respeito. O tempo tem lhe ajudado a formular a resposta: “É a minha profissão”. Uma sentença simples que ele faz acompanhar pela certeza de que dificuldade e recompensa caminham num mesmo compasso, tecendo melodias em tons graves a intervalos de terças, quintas e sétimas, maiores e menores, acordes que o portobelense domina com a mesma facilidade com que se espana da mente uma ideia ruim. Cezinha é músico. E gosta disso.

Memórias do rock portobelense

Uma boa conversa com o André em algum momento vai descambar em música. Boa-praça como poucos, o Coveiro tem me dado o privilégio de acompanhá-lo em suas corridas entre Porto Belo e Bombinhas. E, por sorte, me tem sobrado fôlego para conversarmos em meio ao trote…

Falar de música com o André também desemboca na Uniclãs, banda que volta e meia ensaia um retorno mas esbarra quase sempre na instabilidade do seu frontman, o Nando. Acho que falo com acerto quando digo que a Uniclãs foi o mais bem-sucedido projeto musical de Porto Belo, com CD gravado, shows importantes e fãs fiéis até hoje.

Mais interessante foi saber pelo André que a Nosferatu deu uma pequena parcela de contribuição na caminhada da Uniclãs. Nosferatu foi um projeto de curta duração, creio que pouco mais de um ano, que nasceu lá pelo final de 1994. Não tínhamos composições próprias, mas fizemos uns bons shows no Palco das Artes e alguns outros divertidos no Job’s – o Job sempre tinha sua casa, lá no Vila Nova, aberta para nossas apresentações – sem contar um que terminou em pancadaria lá em Itajaí…

Nosferatu em ação no Palco das Artes de 1995 (foto: Luiz Dadam)

Realmente, nesses shows em Porto Belo a gente via o pessoal que depois faria a Uniclãs e também formaria a atual cena musical da cidade: lembro do Nando subindo no palco na primeira noite que tocamos no Palco das Artes, para terror do seu futuro empresário Juracy, do Carlinhos atento ao meu vacilante contrabaixo no Job’s, sem falar do Alex, na ocasião a guitarra canhota da própria Nosferatu (que se completava com o André Tulipano e o Henry).

CENA QUENTE

Nossa banda talvez ficasse mesmo num meio-caminho entre as primeiras experiências musicais na cidade de que eu me lembre e a Uniclãs. De primeiras experiências me refiro, por exemplo, à Distrito, banda do pessoal de Bombas, Márcio, Luisão e Ita, que tocava no Casarão em frente ao Trapiche dos Pescadores (foi lá que eu os vi, pelo menos), muito antes que houvesse aquela sucessão de bares no centro, primeiro Cais entre Nós, depois Bodega do Porto, Bucaneiro, Caída da Lua e, enfim, Canoa Quebrada, os quais fizeram o nome de gente como Serginho Almeida (outra importante referência musical da cidade), Seco, a Estatura Mediana de Itajaí e outros.

Numa garagem quase em frente ao Caída da Lua, aliás, saiu uma experiência musical que, ao menos para mim, serviu de referência: ali ensaiavam o Vilsinho, Juliano e Testa, com o propósito de formarem uma banda com influências no punk rock. Soube que tocaram uma vez no Submarino Amarelo, e só.

Disso tudo surgiu a Nosferatu, depois que o André saiu brigado de uma banda que havia em Itapema decidido a formar a sua própria banda de rock. O período era marcado ainda pelo sucesso do Álbum Preto do Metallica e pelos ecos do grunge encabeçado pelo Nirvana e seu Nevermind – ambos os álbuns lançados em 1991. Ensaiamos no mais absoluto improviso na casa do Alex (que antes tocava com o Bicudo, Christian e Jefinho), até encontrarmos o Henry, baterista de Itajaí, que nos abrigou em sua bela casa no bairro São Vicente.

Nosso primeiro show ocorreu dia 14 de janeiro de 1995, no ginásio Gabriel Colares, em Itajaí. Tocávamos somente covers, não entramos no estágio das composições próprias. No verão seguinte, às voltas cada um com suas próprias preocupações, deixamos o projeto esfriar. O André depois formaria a Steel Warrior, em Itajaí, banda que obteve contrato com gravadora e alguns shows na Europa. O Alex seguiu tocando com o pessoal daqui e se juntou à Al-Jihad do Nando e do Maninho, o que viria depois a ser a Uniclãs.

Guardadas as proporções, sinto um pesar semelhante ao do pessoal da Uniclãs pelo fim prematuro da Nosferatu. Daqueles tempos, herdei uma obsessão pelo contrabaixo que ainda não se reverteu em domínio desse instrumento. Ficou também o gosto pelas mesmas músicas. Apesar de tudo, acho que posso compartilhar com o pessoal da Uniclãs e de outras bandas que pipocaram (pipocam) na região, o sentimento de que valeu a pena. Enquanto durou, foi excelente.

Uniclãs

Não faz muito tempo, a Uniclãs, creio que o projeto mais duradouro e bem-sucedido de Porto Belo, resolveu se reunir e, quem sabe, reviver seus bons momentos. Banda, entretanto, voltou a sair de cena após alguns shows, vítima dessa instabilidade tão típica do meio musical. Não houve tempo para mais um registro em CD com a formação original, uma pena.

Entre os êxitos que a Uniclãs conquistou, está o memorável show que a banda fez em Florianópolis dia 4 de abril de 2004, com a participação do vocalista da Titãs, Paulo Miklos. Lembro já ter falado sobre isso aqui no blogue. Gostaria, no entanto, de compartilhar um texto que guardei aqui na minha gaveta virtual. Trata-se de uma resenha que fiz daquele show, para uma disciplina do curso de jornalismo. De marcante daquele show, e que não está no texto, foi o momento em que o Ronaldo (Rona), já falecido, subiu ao palco para abraçar e cantar junto com o titã. Segue o texto:

Uniclãs versão 2018: banda voltou a se reunir para celebrar os 15 anos do disco de estreia (foto: Camila Bernardi Hegele )

Fazia algum tempo que eu não via uma apresentação ao vivo da banda Uniclãs, de Porto Belo. Confesso, de antemão, que a minha maior motivação ao ir vê-los na noite de domingo, 4 de abril, no teatro do Centro Integrado de Cultura (CIC), em Florianópolis, foi a prometida participação do vocalista do Titãs, Paulo Miklos. Devo dizer, aliás, que a presença do “titã” no show foi para lá de especial. No entanto, o que me impressionou mesmo, foi a qualidade da apresentação da banda “da casa”.

Tenho que ressaltar, ainda, que não conhecia o CIC e que fiquei logo encantado com o local. Serviu de moldura perfeita ao show, que começou pontualmente às 21h30. Pena que o público da ilha, por uma compreensiva ignorância em relação à banda, não compareceu. A ausência, no entanto, foi compensada pela presença maciça dos fãs de Porto Belo e Bombinhas, que lotaram três ônibus fretados especialmente para garantir o quorum que a noite pedia.

Voltemos ao espetáculo. A banda, que lançou há um ano seu primeiro CD, “Viagens no Exílio”, debulhou com competência seu set list, como de costume iniciando a festa com a música-título do disco. De cara, foi possível perceber a evolução musical do sexteto, particularmente o baixista Cezinha, que sempre pareceu meio pregado no chão e, nessa noite, desfilou suas linhas de baixo com bastante segurança, sinal de que o pessoal anda se esmerando nos ensaios.

O carisma do vocalista Nando surpreende. As menininhas se espremem num canto junto ao palco e forçam um chilique, mas ele não tem nada de star e vai mandando bem, naquele vocal meio Zé Ramalho, as letras cheias de mistérios e predições que caracterizam o repertório da Uniclãs. Aproveito para me apropriar da definição que fez certo colunista do AN, que classificou o som da banda como sendo “rock messiânico”. Bastante original e, quem sabe, uma futura tendência musical no país.

A banda tem suas próprias influências e lançou mão de vários covers, por sinal muito bem escolhidos. Além do tradicional “Heavy metal do Senhor” – o meu favorito – e “Hey Joe” (letra do Rappa), a banda incorporou “Brasil”, do Cazuza e transformou o palco numa tremenda batucada, com o baterista Guto e o percussionista Carlinhos ditando o ritmo da bagunça. A platéia adorou. Houve espaço para Luiz Gonzaga (“Asa branca”), cantando em conjunto com a joinvillense Aninha da Silva, ela também uma desconhecida de talento em busca do seu espaço.

Depois de esgotar todo o set, Coveiro (violão) anunciou a atração esperada. Interessante que, na TV, o Paulo Miklos parece bem maior. Quem entrou no palco foi um baixinho, saudado pela banda aos acordes de “Sonífera ilha” (em homenagem a Floripa, cortejou Miklos, e o CIC quase foi abaixo). Veio “Bichos escrotos” e o vocal dos Titãs estava bastante à vontade com sua banda de apoio. Vi que ficou impressionado com os riffs ligeiros de Alex (guitarra). E com razão: Alex um dos melhores guitarristas que já vi.

E a festa seguiu assim, Uniclãs e Paulo Miklos tocando músicas do Titãs, eles se divertindo ali e o público se deliciando com aquele encontro que ninguém jamais imaginou ver. O convidado saiu ovacionado e a rapaziada continuou no pique. Miklos ainda voltou para um bis, empunhando uma flauta doce. Uma pena que a banda encerrou o show sem tocar “Ô, cabloco”, uma das suas melhores composições. Mesmo assim, foi um show impecável. Em agosto, a banda segue para São Paulo em busca de espaço para a sua música. Que tenham sorte por lá, pois talento não lhes falta.

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