“É, vai ter que operar”, concluiu o ortopedista, depois de ler o relatório da ressonância que descrevia, em detalhes, a ruína em que estava o meu joelho esquerdo. Ruptura completa do ligamento cruzado anterior. Ruptura do corno posterior do menisco medial. Colapso do osso subcondral na porção central do côndilo femoral. Edema ósseo na patela. Cirurgia e seis meses de recuperação. Três de fisioterapia. Três de fortalecimento muscular. Até lá, nada de fazer coisa alguma. Diante do estrago, o jeito foi pôr o nome na lista do mutirão que o médico promove no hospital em São João Batista, onde conserta joelhos por atacado e… correr os 21 quilômetros da 5ª Meia Maratona de Balneário Camboriú.

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Esta segunda decisão não foi tomada, na hora, lá no consultório. Na verdade, estava decidido a acatar a recomendação médica. Até que o parceiro de corridas e amigo Cezinha jogou a semente da discórdia. Aquela velha história: uma corridinha de leve, só pra ver como está, quem sabe? O joelho não dói, não incha, então… Uma ideia desprovida de bom-senso começou a fermentar na cabeça e, no sábado, fim de tarde, estava eu na Barra Sul para buscar o kit da prova, olhando a orla e pensando na burrice que estava prestes a cometer.

A prova ocorreu no último domingo, às 7 da manhã. A organização falou em 1.700 inscritos. Entre o pessoal de Porto Belo, estavam o André (Coveiro), o Maurício, o Aurélio (depois, encontrei também o Pablo). E o Cezinha, claro. O clima estava bom e o céu parcialmente nublado. Chegamos a poucos minutos da largada e não houve tempo para ansiedade. Logo estávamos nos movimentando em meio a uma turba que ocupava a Avenida Atlântica, rumo ao Morro da Rainha, o pior trecho da corrida.

tenis-2A boa notícia foi que o joelho não reclamou. E assim, Cezinha e eu, fomos avançando em bom ritmo. Em meia hora, já estávamos ao pé do morro. E ainda com fôlego para subir a trote. A descida foi um prêmio, mas havia um trecho inesperadamente longo até o retorno. Um pouco mais à frente, dobramos à direita em direção à praia Brava. O pessoal do pelotão da frente já cruzando com a gente no caminho de volta. Pela orla, meninas em roupa de baile, cara de sono, saindo das boates. Num carrão, quatro garotas. A motorista reclamou que queria tirar o carro e o pessoal atrapalhava. A turma ironizou a “madame” e ela passou xingando todos, para diversão geral.

Fizemos o retorno, as pernas já pesadas, o ritmo mais lento, o sol começando a esquentar. Uma hora e dez de prova. O morro de novo à frente. Desta vez, subir não foi tão simples. Antes do topo, tivemos que caminhar. Porém, tínhamos a descida para recuperar o fôlego e, nas nossas contas, conseguir o gás necessário para fechar a meia hora que faltava. Mas descer morro não é moleza, ainda mais com um joelho estropiado. Os músculos começaram a sofrer. Minhas coxas estavam em brasa e o Cezinha reclamava do tornozelo. Daí para frente, seria na raça.

Minha expectativa de ter pernas para chegar não se confirmou. Quando percebi que não teria condições de manter o ritmo, “liberei” o Cezinha e fiquei para trás. No quilômetro dezessete, tive que caminhar. Estava exausto, maldizendo a péssima ideia de ter vindo sofrer nesse asfalto tendo corrido apenas uma vez em quase um mês, até que uma das corredoras passou por mim e ordenou: “Vamos, vamos! Não para!” Embalado pelo incentivo, retomei o trote, mas as pernas já tinham virado gelatina. Minha expectativa era pelo menos chegar até a Praça Tramandaré, mas não havia jeito. Parei mais uma vez.

A partir daí, comecei uma disputa de tartarugas com outro corredor. Ele passava por mim correndo, mas logo parava, com dor nas costas. Eu passava por ele correndo e parava, esfalfado. E assim fomos. No caminho, os outros corredores incentivavam. Um deles me deu um gel de reposição energética. Agradeci a isso e aos postos de água da organização, que permitiram me arrastar até o fim. Os quilômetros iam diminuindo, dois quilômetros, um quilômetro. Quando corro por aí, vencer um quilômetro é quase como ir de carro à padaria. Uma moleza. Não nesse domingo. Por mais que tentasse manter um ritmo de corrida, as pernas desobedeciam, exigiam parar. Mas no trecho final ainda consegui dar um “pique” e concluir a prova dignamente, na 524ª posição, 2h17 de esforço. Numa exaustão quase absoluta. Do dedão até a coxa, as pernas absurdamente doloridas. Tudo doendo, menos o joelho.

Está aí uma boa desculpa para continuar fazendo bobagem… (desde que meu médico não saiba, claro)