O Cesar se tornou uma espécie de mito lá no ginásio da Escola Básica “Tiradentes”, numa vez em que a temida professora Vilma o mandou ler a redação que ele deveria ter feito como lição de casa. César não havia escrito absolutamente nada. Porém, se levantou resoluto, pegou o caderno e se pôs a ler uma história fantástica que inventou na hora. Surpresa com a inventividade do moleque, dona Vilma quis ver a redação com os próprios olhos. Qual não foi sua admiração quando constatou que não havia nada ali no caderno, a folha estava em branco? Ela mesma tratou de contar o fato na sala dos professores, e a história correu o colégio.

Cesar era um cara loiro, olhos azuis, muito claro, uma falha no lábio superior devido a um acidente na infância, cabelo no estilo “mullet”. Costumava usar um colete e um bracelete do tipo “metaleiro” – sem o ser – e tinha por apelido “Piô”. Acho que foi o primeiro escritor de realismo fantástico que conheci. Escrevia histórias malucas cujo personagem principal era sempre o Bilu, seu cachorro vira-latas, cujos prodígios – inventados por ele – incluíam derrubar um poste com um golpe de calda.

Piô tinha um senso de humor invencível e era absolutamente debochado. Podia gastar horas atazanando algum colega, como na vez em que chateou o Bruno na saída do colégio, enquanto este, roxo de raiva, o repreendia com o prosaico xingamento: “Mentecapto!”

Bem mais tarde, Piô assumiu a condição de Lázaro. Estávamos na escola, quando o Lipe, o professor de física e outras ciências, contou que o Cesar havia morrido. Comoção e confusão entre os amigos. Descobrimos que ele sofria de diabetes, sem o saber, e teve uma crise decorrente disso. Diagnosticado no hospital que o atendeu como estando embriagado, recebeu uma injeção de glicose, o que precipitou o coma.

Cesar não morreu, mas nunca mais foi o mesmo. Ao mesmo tempo em que descobriu que teria que conviver com uma doença que lhe impunha limites, descobriu que ia ser pai. E os filhos foram se sucedendo. Cesar se tornou amargo, fatalista, tropeçou entre idas e vindas de Curitiba, onde nasceu, em busca de um norte. Bebia, algo que, para um diabético, era absolutamente pouco recomendável.

A última vez que o vi foi quando o Arão, que se tornou muito próximo a ele durante seu longo calvário, me convidou para o levarmos até Balneário, para uma sessão de hemodiálise. Ele mal enxergava, estava amarelo, o rosto inchado. Não suportava mais a diálise, e me parece que estava com medo.

Cesar morreu um tempo depois disso. Quatro ou cinco amigos estiveram no velório, num centro comunitário do bairro Jardim Dourado. Muita gente talvez tivesse acreditado que ele já houvesse morrido mesmo naquela primeira vez, ou nas outras em que o deram por finado. Não tenho ideia de como ele, se pusesse a si mesmo como personagem de suas redações, escreveria sua própria história, se com o colorido aventuresco dos primeiros tempos ou o cinza carregado de amargura dos últimos dias. Gosto de pensar que seria algo um pouco mais divertido…