A última pessoa que viu o Miltinho foi o Evandro. Assim disseram. No Morro de Bombas, com as mãos nos bolsos. Mas deixem eu antes falar do Miltinho…

Minha lembrança mais nítida é dele sentado à frente da carteira de professor lá no Tiradentes. Uma blusa (suéter?) verde escuro com o jacarezinho da Lacoste bordado no lado esquerdo, as mãos espalmadas no tampo da carteira parecendo desproporcionais.

Milton foi um amigo da minha pequena turma de contabilidade, além de professor. Falava de filmes (mencionou um do Charles Bronson o qual nunca vi – Alguém atrás da porta) e soube serenar nossa perplexidade naquele ano em que o Collor havia ganhado a eleição. Apreciava falar de política e debatia com a gente sobre o futuro do país com otimismo.

A notícia de que havia escolhido ir-se antes do tempo foi um choque. Lembro bem daquela manhã, quando as notícias chegavam à rodoviária de Porto Belo, onde eu trabalhava, dando conta (e exagerando) dos detalhes de sua morte.

Foi naquela noite ou na seguinte que o Evandro perdeu o ônibus que levava o pessoal do Tiradentes que morava para lá do Morro de Bombas. A solução foi atravessar o morro a pé, sozinho e de noite. E foi o que ele fez, até que, no meio do caminho, algo iluminou um vulto que estava parado à frente – o farol de um carro em descida, talvez. Evandro viu então quem estava ali e desceu todo o caminho que fizera em disparada. Só parou, dizem, quando alcançou o Maria Mariá, onde alguns colegas ainda deviam estar jogando sinuca.

Sei que não faz o menor sentido, mas sempre que lembro do Milton essa história vem junto. Uma história que ele mesmo talvez achasse graça, não fosse ele próprio o protagonista. E tem outra:

No outro dia, alguns rapazes combinavam uma caçada no morro. Decidiram sair na madrugada seguinte, pelas cinco horas, mais ou menos:

– Então tá certo. Essa noite eu durmo na casa do Murilo e amanhã tu vai lá e encontra a gente. – No que o Vilsinho replicou: – Nada disso! Depois que viram o Miltinho no morro, com a mão no bolso?! Vocês é que vão lá me buscar!

Disso, sim, ele daria boas risadas.