Autor: Alcides Mafra Page 2 of 7

Histórias de morte em balcão de bar

Plena manhã de quinta-feira e estou iniciando minha filha Cecília em uma velha tradição familiar: pouco antes da hora do almoço, nos encaminhamos ao bar do Miloca, ali perto da casa do meu pai, justamente para encontrar seu Arão.

Alguns minutos antes, estávamos, eu e ele, empenhados em derrubar um poste de concreto que havia na frente de casa e estava deteriorado pela maresia. Finda a tarefa, seu Arão resolveu tomar um gole.

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Piva e o Capitão Brasil

Era uma manhã de domingo e o seu Piva recebia, resignado, o derradeiro adeus. Ainda no carro, na chegada ao cemitério, Bete me lembrou da crença popular: quando alguém é enterrado num dia de sol, é porque se vai sem tristeza de partir. E o dia estava realmente lindo: um azul luminoso no céu e um calor que fazia pouco-caso de estarmos em pleno outono.

Imagino que o seu Piva não tivesse realmente motivos para se queixar. Viveu uma boa vida, desconfio. Talvez apenas lamentasse não conhecer o neto que só chegou dias depois. Ou, por outra, o tenha visto de passagem, se há algum lugar onde os que vão e os que chegam se encontram para um aceno.

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E hoje se vai o Tatuíra

Faz um tempo, chamou-me a atenção o fato de uma lanchonete de nome Porto Viking fechar suas portas, após persistir um verão e meio, talvez dois.

Era um gancho irresistível para introduzir um problema que se tornava evidente e que o fotógrafo Gilmar Castro recentemente batizou de “desertificação do Centro”: uma tendência de os pequenos negócios da cidade encerrarem suas atividades, deixando para trás uma quantidade escandalosa de salas vazias e placas de “aluga-se”.

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Biel coleciona música (e muito mais)

Audiófilo e fuçador, Carlos Gabriel construiu um acervo de bolachões de respeito

Na Olavo Berlinck, uma estreitíssima rua paralela à avenida principal de Tijucas, encontramos um gourmet. Não, Biel não é um apreciador da alta gastronomia (ou seria? Acabou que não lhe perguntei a respeito). Ele é, isso sim, um degustador da fina-flor do samba e da MPB, o que faz com a cerimoniosa dedicação de qualquer bom “garfo”. Podemos dizer, para melhor compreensão, que Biel coleciona música.

“Eu gosto de guardar velharia”, descomplica o tijuquense de 35 anos que traz na certidão o aristocrático nome de Carlos Gabriel de Campos Silva. Topógrafo a serviço da concessionária Autopista Litoral Sul há uma década, Biel é talvez um dos mais importantes colecionadores de música brasileira da região.

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Diário de Cecília pt. 1: O tédio

Tarde de chuva e eu lidando com uma meia dúzia de telas na web, conversando com o Thiago no Facebook e tentando escrever algo produtivo.

A Cissa abandona o material de pintura que ganhou do amigo Pedroca e se interpõe sem cerimônia entre mim e o computador. Começa a batucar vigorosamente no teclado.

Por favor, Cissa, o pai precisa trabalhar!

Mas pai, estou entediada!

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Praia coberta de prata

Se em 2005 os cardumes passaram longe da costa bombinense, preferindo as malhas em alto-mar da frota industrial, neste ano de 2006 a temporada de pesca de tainhas começou cedo e foi, nos primeiros dias, marcada por surpreendente abundância. Maio, um mês desfavorável a esse tipo de pesca por ser normalmente quente, trouxe frio e muito peixe para os costões e praias do município. A comunidade fartou-se de tainhas e os turistas ocasionais divertiram-se acompanhando os nativos nos arrastões, molhando as canelas na beira d’água e emprestando braços para facilitar a tarefa de puxar as redes para terra. Dentro delas, centenas de corpos frenéticos tingiram a praia de prata nesse maio atípico, de safra recorde. Mas, em junho, o ímpeto diminuiu.

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Mick Jagger no Terno de Reis

Imediações do “Beco do Amadeu”, 3h45 de quinta-feira. Dezenas de “Cálix bento” e “Papagaio pena de ouro” depois, o pessoal já acusa o cansaço. Mesmo assim, ainda há um evidente clima de diversão, demonstrado nas trocas de olhares que parecem compartilhar uma piada secreta.

Mais importante: todos sentem o alívio de terminar a noitada de Reis com dignidade, após três tiros n’água que nos fizeram suspeitar de que havia um “Mick Jagger” entre nós.

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Vadico bebia sangue

Em um raro retângulo de terra no meio do apinhado e caótico cemitério de Porto Belo, enquanto Betinho profere uma emocionada elegia para o Vadico, que espera em seu caixão que o deitem ao fundo da cova aberta, o orador exaltando o “espírito tropeiro” do Vadico, e uma sequência de rostos iguais ao dele, mas em idades diferentes (seus irmãos), ouvem graves essas palavras, passa-me pela cabeça, quente ao sol desta manhã de sábado, um pensamento esquisito: “Vadico bebia sangue”.

Era o que eu ouvia quando criança, na época em que o Vadico realmente se imbuía do “espírito tropeiro” do qual falava o Betinho. Naquele tempo, quando trabalhava no matadouro do seu Valter e exibia um físico robusto, diziam que ele, ao abater os animais que seriam vendidos no açougue do patrão, costumava sangrar os bichos e tomar, de um gole só, um copo do sangue ainda quente dos animais. Devia a isso a sua boa compleição.

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Hercólubus em Porto Belo

De tempos em tempos, um aviso aparece em “lambe-lambes” colados nos postes da Governador Celso Ramos, anunciando: o fim está próximo. Sim, senhores, Hercólubus, o temível planeta vermelho (ops!), está novamente a caminho da Terra, e sua visita promete convulsionar nosso pobre planetinha azul. As epidemias e perturbações climáticas que estamos vendo são apenas um aperitivo. O pior ainda está por vir.

Pelo menos, era nisso que acreditava o místico colombiano Joaquin Enrique Amortegui Valbuena (1926-2000) – ou, para os chegados às suas teorias, V. M. Rabulú. Em 1998, ele escreveu Hercólubus ou Planeta Vermelho, livro ao qual fazem referência os cartazes que apareceram no início de março na avenida principal da cidade.

Segundo a Alcione, uma associação criada na Espanha em 2007 para divulgar a obra de Rabulú e que distribui o livro gratuitamente para todo o planeta, Hercólubus “é resultado das investigações de seu autor nas dimensões superiores da natureza”. O que vem a ser isso? Bem, aqui temos uma explicação do autor: “Sustento o que escrevo neste livro porque conheço, estou seguro do que digo porque tenho investigado a fundo com meu corpo astral, que é o que me permite dar-me conta de tudo, minuciosamente”.

Minha curiosidade surgiu pela frequência com que encontro os cartazes do livro colados pela cidade. Algum abnegado seguidor do guru colombiano, sem dúvida. Entrei em contato com a Alcione para tentar descobrir quem seria o agente dessa campanha.

A entidade, porém, desconhecia a ação: “Nós, da Associação Alcione, não colamos cartazes em postes por ser proibido na maioria dos municípios brasileiros. Sabemos que há simpatizantes do livro que fizeram cartazes com nossos sites e página do Facebook (sem nenhuma autorização nossa) e que têm colado em alguns municípios brasileiros. Infelizmente, nós não temos nenhum colaborador que mora na região de Porto Belo”, informou a associação via Facebook.

Hercólubus
Hercólubus: a verdade está lá fora

Por coincidência, nesta mesma semana em que buscava saber mais sobre os “avistamentos” do Hercólubus em Porto Belo, encontrei no Facebook um link para uma matéria do tabloide britânico The Sun, de 6/04, na qual o astrofísico Daniel Whitmire, da Universidade da Louisiana (EUA), afirma que o Planeta X, que foi responsável pela extinção dos dinossauros, pode repetir sua desastrosa performance… neste mês!

Para Whitmire, o Planeta X é o Planeta Nove descoberto no mês de janeiro e que tomou a vaga que antes era de Plutão, atualmente na segunda divisão planetária. Na verdade, ninguém viu o novo planeta ainda, mas pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia afirmam ter encontrado “evidências sólidas” de que ele existe. Pelos cálculos dos pesquisadores Konstantin Batygin e Mike Brown, ele tem dez vezes o tamanho da Terra e orbita o Sol a uma distância vinte vezes superior à de Netuno, que é o planeta mais distante do Sistema Solar. Aparentemente, devido a sua órbita incomum, demoraria em torno de 15 mil anos para dar uma volta no nosso astro-rei.

Seria o Nove Hercólubus? Claro que muita gente relacionou a descoberta ao misterioso planeta vermelho, ou então a Nibiru, astro mencionado em antigos mitos sumérios (e que deveria ter decretado o fim do mundo em 2012), entre outras teorias que os cientistas desdenham como coisa de maluco. Mas, pelo sim, pelo não, acho que vou encomendar meu exemplar do livro… Se der tempo.

Corrida de adeus à Costeira

“Aí, Dil… Cadê o número?”, perguntou o Fabrício, fotógrafo que cobria a subida do Morro de Zimbros para o Foco Radical, site que faz fotos dos corredores nas provas da região.

Costeira 1

O amigo Marcos passeia numa ainda intacta Costeira com a filha Laura: privilégio que o progresso pode levar

Não havia número. Em que pese a excelente organização da sétima edição do Indomit Vila do Farol (15/08), uma já tradicional maratona realizada nas picadas de Bombinhas, meu orçamento não contemplava os quase 300 reais da inscrição. Fui, como os praticantes dessa “modalidade” chamam, “de pipoca”.

Resolvi correr à revelia dos organizadores, primeiro, para acompanhar o Cezinha, parceiro em quase todas as provas que tenho feito. Contratado para tocar na prévia da competição, o Cezinha se inscreveu para o revezamento, rachando os 42 quilômetros com outro músico, o Guto.

O percurso, com alguma variação, já tínhamos feito antes. Mas nunca para valer. Daí que resolvi ir de penetra. Como penso que a discrição é uma prerrogativa de quem fura a festa alheia, procurei me manter na moita, coisa até simples de fazer no meio de uma massa de mil corredores. E não houve qualquer embaraço na primeira meia dúzia de quilômetros, até que, saindo da praia do Centro e passando pela de Bombas, subimos a Martim Pescador em direção ao Zimbros. Foi lá, no morro, que o Fabrício me desmascarou.

Com uma série de impropérios na ponta da língua – devidamente contidos – passei pelo fotógrafo no topo do morro, perto das antenas, com o Cezinha subindo logo atrás, e mais um montão de corredores oficiais mais abaixo. Dali em diante, boa parte da prova seria feita no meio do mato, em direção à Costeira. Ela, o segundo motivo pelo qual participei do desafio.

Momentos antes da largada, um grupo de moradores realizava um ato pela preservação da Costeira. Distribuíam fitas verdes para os corredores, que de bom grado aderiram ao movimento. Ao longo da trilha e na chegada à praia da Lagoa, topamos com mais alguns abnegados, que faziam barulho e exibiam faixas. Torço por eles, mas temo pela causa.

Faz pouco mais de dois meses e meio, a prefeitura de Bombinhas divulgou um projeto de captação de água na Costeira. Recurso escasso no município, especialmente no verão, tem de sobra naquela região. Daí a ideia de puxar um pouco da água dos mananciais que descem as cachoeiras em vários pontos dos seus sete quilômetros de extensão. Para fazer isso, porém, é preciso abrir uma estrada onde hoje há uma trilha – a mesma usada pelos corredores do Indomit.

A proposta não foi bem aceita por moradores tradicionais do bairro de Zimbros. Sua preocupação é justificada, pois não é de hoje que ideias progressistas rondam a Costeira. Já se pensou em resolver a questão do segundo acesso do município construindo uma estrada por ali. O plano foi barrado pela população, temente que a obra servisse aos interesses da especulação imobiliária e toda a região fosse seriamente impactada. Pelo mesmo motivo, fazem barulho agora: a estrada pode esconder nova investida de quem vê questões ambientais como empecilho ao “progresso”. Logo em Bombinhas, que se autoproclama capital do ecoturismo e cobra dos visitantes uma taxa de preservação ambiental…

Ao que parece, o plano da barragem foi adiado. Não duvido, porém, que volte a ser colocado em pauta, nem que, cedo ou tarde, o maquinário da Casan atravesse as trilhas da Costeira. Pessimismo? Espero ser desmentido pelos fatos, mas nesses tempos de descaso absoluto com o meio ambiente, em que vemos a Amazônia encolher a níveis alarmantes pela ação de madeireiros e pecuaristas, usinas sendo construídas a um custo altíssimo para as comunidades tradicionais e indígenas, e tudo o que parece importar são obras milionárias e ocupação de áreas que deveríamos proteger, não vejo como santuários feito a Costeira resistam por muito tempo.

Por isso, corri para me despedir da Costeira. Fiz os 21 quilômetros, descendo pelas trilhas sulcadas numa pressa imposta pelos que desciam sem freios logo atrás, mal podendo apreciar a paisagem, afundando os pés nas praias agrestes mais belas do município, e cheguei, tentando acompanhar o Cezinha e sob um sol impiedoso, no final da praia de Canto Grande. Valeu a pena. Independente do que venha a ocorrer, parece-me correto acreditar que essa Costeira não será a mesma que a minha filha virá a conhecer. Que fique, ao menos, intacta na memória.

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