Conheci a Xepa numa noite de quinta-feira, uns anos atrás. Cheguei ao local onde o pessoal treina taekwon-do, ao lado do supermercado Costa Esmeralda, e ali estava ela, entre o muro e a calçada no canto do prédio. Como havia um tempo para esperar, fui vê-la de perto. Algo em seu olhar denotava doçura e desamparo.

Ao final do treino, hora e meia depois, ela continuava no mesmo lugar. Fui para casa decidido a voltar e buscá-la. Não foi difícil convencer esposa nem sogra, e meia hora depois eu retornava para levar a Xepa comigo. Ela estava obedientemente à espera, e não reclamou quando a embarquei no carro, acomodando-se tranquilamente aos pés do banco do carona.

Xepa rapidamente se habituou ao novo lar. Era curioso, pois, ao mesmo tempo que apresentava sinais evidentes de abandono, parecia que não vivia nas ruas há muito tempo. Talvez alguém a estivesse procurando, então tratamos de espalhar a notícia do seu paradeiro.

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Xepa foi-se de nossa casa da mesma forma como chegou

Ninguém apareceu, entretanto. E a Xepa conviveu conosco durante quase dois anos. Mas já demonstrava idade avançada, os olhos já nublando sob o avanço da catarata… o que não a impedia de exercer uma avarenta vigília sobre a comida, para azar do Nick (que, aliás, faz poucas semanas nos deixou, depois de mais de quinze anos).

Até que ela adoeceu. Foi perdendo as forças e minguou. Um dia, a pobrezinha estava visivelmente sofrendo. Liguei para a veterinária em busca de orientação. Priscila me pediu que a trouxesse até o consultório.

Peguei-a com cuidado e a coloquei no fundo do carro, ao lado do banco do carona. Assim que se acomodou ali, parou de choramingar. Observava-me silenciosa enquanto fazia o curto trajeto até a clínica. Assim que cheguei, quando a fui retirar do carro, notei que tinha morrido.

Ao que parece, a Xepa estava apenas à espera de seu último passeio, para terminar seu tempo conosco da mesma forma como chegou. Cumprida a tarefa, deixou-se ir em paz.