Tag: futebol de areia

Lu, o camisa 9

Entre todas as coisas legais do período, o verão nos traz mais uma edição do campeonato municipal de futebol de areia. É hora de quebrar a cabeça para montar o Cervejas – que, aliás, está se aproximando do seu vigésimo aniversário.

E é tempo de relembrar lances memoráveis vividos por esse time querido. Hoje, a lembrança que me fez escrever este texto foi a de um jogaço do campeonato de 1997. Primeiro ano em que o Luciano Kruscinscky jogou com a gente.

Em boa companhia: Lu (o careca), com o Xande em primeiro plano, Candôco atrás deste, Dida à esq., e no fundo Cezinha, Alex e Maninho

Em boa companhia: Lu (o careca), com o Xande em primeiro plano, Candôco atrás deste, Dida à esq., e no fundo Cezinha, Alex e Maninho (foto: Arquivo Cervejas)

Era o primeiro jogo eliminatório do campeonato. Contra o Tubarões. O time era uma reunião dos craques da praia (alguns diriam “panelinha”) e o Cervejas era… bem, o Cervejas era o Cervejas. Havia feito estrago no campeonato, é verdade, mas chegava absolutamente azarão ao jogo.

Logo no comecinho, o Lu sobe e acerta uma cabeçada fulminante. Golaço! Na comemoração, corre feito um possesso, gritando palavrões para a torcida em delírio. E nós todos absolutamente pasmos – não com os palavrões, mas com o gol.

Logo na sequência, o Lu vira sobre o zagueiro e acerta um míssil. A bola deve ter fumegado os dedos do Nestor, o goleiro adversário. Dois a zero e êxtase absoluto na praia!

Mas como segurar um placar assim contra uma “seleção”? Logo no começo da segunda etapa, na saída de bola, Luiz Fernando (creio que foi ele) acerta um chutaço e diminui (o Candôco tem uma teoria de que eu me desviei da bola e matei sua chance de defesa, mas a explicação é completamente absurda, melhor deixar pra lá).

Não me recordo como foi o gol de empate (se alguém souber, me ajude), mas o jogo foi uma batalha até o final. Tubarões jogava pela igualdade e seguiu adiante, mas com o orgulho bastante avariado, não tenho dúvida.

O resultado do jogo clássico, no traço do próprio Lu, com uma participação do Arão

O resultado do jogo clássico, no traço do próprio Lu, com uma participação do Arão

Quando o Lu decidiu deixar o time (queria ganhar títulos, afinal), eu e o Candôco, dirigentes do time e donos do Pirão d’água, fizemos uma “reunião de negócios” com ele para dissuadi-lo da ideia. Acabou que ficamos até de madrugada comendo pizza, tomando cerveja e falando bobagens. E na noite seguinte haveria jogo, contra a Pioneira, acho – nenhum dos três conseguiu jogar nada e o Cervejas tomou uma surra.

Mas o Lu era uma figura. Muito tempo depois, ele virou uma espécie de personagem de Joseph Conrad: mergulhou no “coração das trevas” e ganhou o mundo, feito um pirata, ora aparecendo, ora sumindo, sempre na boemia. Há quem acredite que perdeu o juízo. Não que juízo fosse o forte dele, mas como jogava bola!

A última vez que joguei com ele, foi numa pelada de futsal, faz alguns anos. Continuava driblador e absolutamente fominha, como é característico de quase todo bom camisa 9.

Assim como o Lu, tanta gente já vestiu a camisa “encarnada” do Cervejas. Todos, aposto, têm uma lembrança boa desses tempos. Outros chegaram, bons amigos ficaram e o time permanece, engrossando sua enciclopédia de “causos”. Se você passar pelo bar do Calinho em noite de jogo, vai encontrar a turma por ali. Como sempre, comemorando…

Seu Arão

Seu Arão e Carlinhos improvisando um som: “Eu já fiz quatro gols!”

Nestes tempos de jogadores de futebol mimados e técnicos sem pulso firme, vale se mirar no exemplo do seu Arão, o técnico que mais vezes comandou o Cervejas em seus quase vinte anos de existência.

Admirador do delegado linha-dura Antônio Lopes, meu pai não dava moleza: esbravejava com o time o jogo inteiro e infernizava os juízes. Porém, profissional que era, depois do jogo pedia desculpas aos apitadores e dava risadas com a gente.

Nas “resenhas” antes das partidas, meu pai sabia como ninguém simplificar a estratégia e motivar a rapaziada:

– Aqui não tem ninguém melhor do que ninguém, é tudo homem – costumava dizer.

Faz algum tempo que o seu Arão deixou de comandar o time, por conta de suas funções como vigia da Prefeitura, mas ainda acompanha os jogos quando pode e ainda fica doente com as vaciladas do Cervejas.

Lembro que nem mesmo o primeiro goleador que o Cervejas conheceu teve vida fácil com meu pai.

Carlinhos (o da Bodega do Porto) estava especialmente inspirado durante um jogo do terceiro campeonato que disputamos. Creio que foi na temporada de 1996. Foi no verão após terem dragado parte da praia do centro, para lá do rio que delimita o Baixio. Naqueles anos, o campeonato de futebol de areia era disputado nos domingos à tarde, não havia iluminação. Por causa da subida da maré, não terminou ali – o campo teve que ser mudado novamente para o Baixio.

Pois bem, enfrentávamos o time do Besc e o jogo estava realmente equilibrado. Não sei se num momento em que o Carlinhos perdeu uma bola, meu pai esbravejou:

– Calinho, seu m….! Não tás fazendo p… nenhuma!!!

No que o Carlinhos, em tom de desculpa, arrematou:

– Mas seu Arão, eu já fiz quatro gols!

De fato, os quatro gols do empate contra o bom time do Besc.
Num jogo seguinte, contra o Hora Certa, Carlinhos não teve o mesmo brilho. Depois de tropeçar na corda que delimitava o campo de jogo, ele caiu dentro d’água. Na saída, num impulso, tirou a camiseta encharcada. Tonho do Zeli, o juíz, não perdoou e expulsou o Carlinhos. Tomou um jogo de gancho por atitude antidesportiva.

Carlinhos continuou jogando no Cervejas mais algumas temporadas. Mas ele brilhava especialmente nos jogos comemorativos que promovíamos, os chamados Cervejas x Ressacas (o Ressacas era um combinado veterano de parceiros do Cervejas). Ao mesmo tempo, sua Bodega do Porto se tornou passagem obrigatória após cada jogo disputado. A casa sempre recebeu o time muito bem, mesmo depois da maior traição que poderíamos cometer: comemorar nosso melhor resultado em campeonatos, o vice de 2006, em outro boteco.

Desenvolvido em WordPress & Tema por Anders Norén