“Aí, Dil… Cadê o número?”, perguntou o Fabrício, fotógrafo que cobria a subida do Morro de Zimbros para o Foco Radical, site que faz fotos dos corredores nas provas da região.

Costeira 1

O amigo Marcos passeia numa ainda intacta Costeira com a filha Laura: privilégio que o progresso pode levar

Não havia número. Em que pese a excelente organização da sétima edição do Indomit Vila do Farol (15/08), uma já tradicional maratona realizada nas picadas de Bombinhas, meu orçamento não contemplava os quase 300 reais da inscrição. Fui, como os praticantes dessa “modalidade” chamam, “de pipoca”.

Resolvi correr à revelia dos organizadores, primeiro, para acompanhar o Cezinha, parceiro em quase todas as provas que tenho feito. Contratado para tocar na prévia da competição, o Cezinha se inscreveu para o revezamento, rachando os 42 quilômetros com outro músico, o Guto.

O percurso, com alguma variação, já tínhamos feito antes. Mas nunca para valer. Daí que resolvi ir de penetra. Como penso que a discrição é uma prerrogativa de quem fura a festa alheia, procurei me manter na moita, coisa até simples de fazer no meio de uma massa de mil corredores. E não houve qualquer embaraço na primeira meia dúzia de quilômetros, até que, saindo da praia do Centro e passando pela de Bombas, subimos a Martim Pescador em direção ao Zimbros. Foi lá, no morro, que o Fabrício me desmascarou.

Com uma série de impropérios na ponta da língua – devidamente contidos – passei pelo fotógrafo no topo do morro, perto das antenas, com o Cezinha subindo logo atrás, e mais um montão de corredores oficiais mais abaixo. Dali em diante, boa parte da prova seria feita no meio do mato, em direção à Costeira. Ela, o segundo motivo pelo qual participei do desafio.

Momentos antes da largada, um grupo de moradores realizava um ato pela preservação da Costeira. Distribuíam fitas verdes para os corredores, que de bom grado aderiram ao movimento. Ao longo da trilha e na chegada à praia da Lagoa, topamos com mais alguns abnegados, que faziam barulho e exibiam faixas. Torço por eles, mas temo pela causa.

Faz pouco mais de dois meses e meio, a prefeitura de Bombinhas divulgou um projeto de captação de água na Costeira. Recurso escasso no município, especialmente no verão, tem de sobra naquela região. Daí a ideia de puxar um pouco da água dos mananciais que descem as cachoeiras em vários pontos dos seus sete quilômetros de extensão. Para fazer isso, porém, é preciso abrir uma estrada onde hoje há uma trilha – a mesma usada pelos corredores do Indomit.

A proposta não foi bem aceita por moradores tradicionais do bairro de Zimbros. Sua preocupação é justificada, pois não é de hoje que ideias progressistas rondam a Costeira. Já se pensou em resolver a questão do segundo acesso do município construindo uma estrada por ali. O plano foi barrado pela população, temente que a obra servisse aos interesses da especulação imobiliária e toda a região fosse seriamente impactada. Pelo mesmo motivo, fazem barulho agora: a estrada pode esconder nova investida de quem vê questões ambientais como empecilho ao “progresso”. Logo em Bombinhas, que se autoproclama capital do ecoturismo e cobra dos visitantes uma taxa de preservação ambiental…

Ao que parece, o plano da barragem foi adiado. Não duvido, porém, que volte a ser colocado em pauta, nem que, cedo ou tarde, o maquinário da Casan atravesse as trilhas da Costeira. Pessimismo? Espero ser desmentido pelos fatos, mas nesses tempos de descaso absoluto com o meio ambiente, em que vemos a Amazônia encolher a níveis alarmantes pela ação de madeireiros e pecuaristas, usinas sendo construídas a um custo altíssimo para as comunidades tradicionais e indígenas, e tudo o que parece importar são obras milionárias e ocupação de áreas que deveríamos proteger, não vejo como santuários feito a Costeira resistam por muito tempo.

Por isso, corri para me despedir da Costeira. Fiz os 21 quilômetros, descendo pelas trilhas sulcadas numa pressa imposta pelos que desciam sem freios logo atrás, mal podendo apreciar a paisagem, afundando os pés nas praias agrestes mais belas do município, e cheguei, tentando acompanhar o Cezinha e sob um sol impiedoso, no final da praia de Canto Grande. Valeu a pena. Independente do que venha a ocorrer, parece-me correto acreditar que essa Costeira não será a mesma que a minha filha virá a conhecer. Que fique, ao menos, intacta na memória.