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Piva e o Capitão Brasil

Era uma manhã de domingo e o seu Piva recebia, resignado, o derradeiro adeus. Ainda no carro, na chegada ao cemitério, Bete me lembrou da crença popular: quando alguém é enterrado num dia de sol, é porque se vai sem tristeza de partir. E o dia estava realmente lindo: um azul luminoso no céu e um calor que fazia pouco-caso de estarmos em pleno outono.

Imagino que o seu Piva não tivesse realmente motivos para se queixar. Viveu uma boa vida, desconfio. Talvez apenas lamentasse não conhecer o neto que só chegou dias depois. Ou, por outra, o tenha visto de passagem, se há algum lugar onde os que vão e os que chegam se encontram para um aceno.

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Pirão: e aqui chegamos ao fim

O jornal Pirão d’água durou até dezembro de 2001. Chegou até a edição 103. Na época, estava sendo tirado semanalmente. Mas, para mim, ele havia terminado antes.

jornal

Terminou às vésperas de mais uma eleição, em setembro do ano anterior. Como é típico do período, os nervos estavam a mil e os problemas só começando para a gente. Calhou que o PDT, que estava com candidato no páreo (Arno Baron), nos procurou para publicar uma pesquisa favorável no jornal. E o Luiz concordou em publicar.

Mais tarde, porém, o PMDB, do Sérgio Biehler, surge com outra pesquisa, também solicitando espaço no jornal. Os resultados de cada uma completamente disparatados entre si. Mas havia uma compensação financeira maior nesta segunda proposta e devo dizer que a gente balançou, especialmente por achar que esta segunda pesquisa condizia melhor com a realidade. O PDT era apenas a terceira força e não havia número que pudesse dizer o contrário.

Mas havia um acordo firmado com o PDT e isso foi motivo de discussão entre a gente. Por outro lado, os peemedebistas pressionavam também. O jornal sairia exatamente na sexta antes da eleição. Com a pesquisa na capa, poderia ser decisivo no resultado das urnas.

E assim, um Candôco completamente indeciso pegou o Fiesta emprestado de sua mãe e partiu para São José, na Grande Florianópolis, sexta-feira à noite, para rodar o jornal.

Assim que pôs os pés na gráfica, já estavam lá o Valmor Moraes, vice da chapa trabalhista, e o Piti, advogando (pasmem!) pelo PMDB. E tome discussão, bate-boca, um querendo parar as máquinas, o outro que o jornal fosse imediatamente para as rotativas.

À beira de um colapso nervoso, o Luiz saiu da gráfica e caminhou pela ruazinha lateral sem saída onde ficava a Riosul até um barzinho que havia no final dela. Sentou junto ao balcão para tomar alguma coisa, com o Piti na sua orelha e sem saber o que fazer.

Lá fora, um orelhão que havia no lado do bar começa a tocar. Toca até que algum curioso resolve ir lá atender. O cara escuta e grita para dentro do bar:

– Tem algum Luiz Dadam aí?

O Candôco arregala os olhos e, sentindo-se dentro de um daqueles filmes de suspense, vai até lá atender. Era a esposa do Sérgio Biehler, Josiane, que resolveu aplicar um pouco mais de fervura na cabeça do pobre do Luiz. Perplexo – e já por essas alturas, furioso – o Candôco retornou até o balcão do bar, onde o Piti, em tom de quem sabe dessas coisas – e provavelmente sem gaguejar – lhe bate nas costas e diz:

– Bem-vindo à política, meu amigo…

Foi por fascínio de avião…

Na abertura do Campeonato Municipal de Futsal, nesta segunda (28), no ginásio do Colégio Tiradentes, o secretário de Esportes Osvaldo di Pietro fez um comentário em tom de brincadeira. Referindo-se ao Candôco (sempre ele), Vadão falou: “Na próxima vez, a gente vai fazer uma abertura no teto do ginásio, para o caso de passar algum avião”. E arrematou: “Algumas pessoas aqui vão entender”.

Quem já jogou no Cervejas ou se reuniu com o pessoal do time após algum jogo lá no Bar do Calinho, certamente já ouviu do Candôco (umas vinte vezes) a história do avião. Para os que não conhecem, eu vou contar.

Tudo começou no Maré Mansa. Ou melhor, antes. Era o ano de 1993 e nossa turma estava readquirindo o interesse pelo futebol. E isso de um modo um tanto canhestro: se não me engano, um sobrinho meu havia ganhado uma bola de presente e resolvemos fazer “usucapião” dela, promovendo rodas de toque ou de bobinho com cervejas na mão.

Cervejas 1
Foto clássica do Cervejas, então Maré Mansa, em sua primeira jornada (12×0 para o adversário): da esq. p/ dir. em pé: Marlum, Chuck, Piva, Dil e Fidélis; agachados: Glauciano, Candôco, Márcio, Stefon e Luriê

Veio o verão de 1994, ano de Copa, estava saindo a segunda edição do Campeonato de Futebol de Areia (nada de Beach Soccer ainda) e resolvemos, ali na “redação” do Maré Mansa, inscrever um “anti-time” para participar: o Maré Mansa, depois Cervejas.

PERNAS DE PAU

Começamos elegendo o goleiro. Teria que ser o Candôco. Na época, ele morava em Floripa e desde moleque, quando ganhou uma camisa laranja como a do Raul Plassmann, levava jeito para a coisa. Para vestir a dez e comandar o escrete, o Mirinho, que tinha talento. O resto…

Fechamos a conta com uma cambada de pernas-de-pau sem conserto. O resultado da estreia fala por si: 12×0 para o Futebol do Porto – embora o do segundo jogo tenha sido “só” de 6×0. Mas isso tem explicação: na primeira rodada, a área de jogo foi montada próxima da água. O piso era firme e favorecia o toque de bola. Só que a maré subia e lá se ia o futebol. Então, na segunda rodada, o quadrilátero do jogo subiu para a parte distante da água, porém de areia mais fofa, que, todo mundo sabe, dificulta o jogo.

Todo esse preâmbulo para falar do avião…

Aconteceu no jogo contra o time do Besc. Ocorreu uma falta contra nossa equipe e o Candôco armou a barreira, e escolheu o canto oposto a esta para se posicionar. Zezeca estava a postos para fazer a cobrança quando uma aeronave cruzou baixo o céu, tirando completamente a atenção do nosso goleiro – fissurado em aviões, ele havia se alistado na Base Aérea em Florianópolis com a esperança de voar num deles.

O juiz apitou a falta, mas o Candôco ainda estava sob efeito da surpresa. Só voltou a si quando o pessoal do adversário saiu comemorando o gol mais fácil que jamais haviam feito e toda a torcida em volta rachava o bico de tanto rir.

O Arão eternizou o lance com o seu traço brilhante (abaixo). E aqui temos uma versão da história, escrita pelo Vadão.

candôco

O cara que se recusou a proteger o Papa

A essas alturas, o papa Francisco está circulando pelas ruas do Rio de Janeiro, a repetir a rotina de outros pontífices antes dele, que no Brasil também estiveram. Um dos quais, o popular João Paulo II, tinha por hábito beijar o solo do país em visita assim que descia do avião – não sei se compartilhado pelo atual ocupante do Trono de São Pedro.

Mas o que essa atual visita me faz lembrar mesmo é que, durante a passagem de João Paulo II por Florianópolis, em outubro de 1991, um velho conhecido nosso havia sido destacado para compor o contingente responsável por garantir a segurança papal durante a visita. Ele, porém, rejeitou a honra, preferindo correr para Porto Belo.

Candôco sempre fora fanático por aviões. Por isso, decidiu servir à Aeronáutica. E não se deteve diante da recusa do médico responsável pela seleção, que por fim o orientou a arranjar uma “chapa” de pulmão de outra pessoa para substituir a sua, que apresentava uma mancha que o desqualificava para a vida em caserna.

Pois bem, Candôco serviu durante um ano na Base Aérea de Florianópolis. E era de se esperar que a rígida rotina militar incutisse alguma disciplina no rapaz. Aconteceu justamente o contrário.

Quando foi designado a servir no cassino dos oficiais, Candôco se especializou em aplicar pequenos golpes: tomava cervejas à vontade e as debitava na conta dos tenentes aviadores que frequentavam o local. E tudo ia bem até que ele “engordou” a dívida de um cliente que sequer bebia. Quando o homem, desconfiado, o questionou a respeito, Candôco saiu-se bem:

– Foram os seus amigos que mandaram colocar na conta do senhor. Como eles são meus superiores, não pude questionar!

E foi com igual desfaçatez que o Candôco, que havia sido designado junto com todo o pessoal da base para ajudar a manter a segurança durante a visita do Papa, resolveu dar o cano. Pegou o primeiro ônibus que pôde e se mandou para Porto Belo, para tomar umas com os amigos, naquele final de semana em que o Estado inteiro se enlevava com a presença por aqui de João Paulo II.

Candôco, todos sabem, não é exatamente um homem de fé…

Candôco na mira da Lei

Nesses tempos todos de Pirão, não há dúvidas de que foi o Luiz o cara que mais viveu situações que eu poderia chamar de surreais. Responsável pelo departamento comercial do jornal, o Cândoco também fazia as fotos, servia de motorista e ainda dava uma mão na finalização de cada edição. Trabalho à beça.

Uma ocasião, um pouco antes do meio-dia, se não me engano, recebemos um chamado da delegacia. Havia um boi solto no Araçá (era época de farra do boi) e a polícia iria lá para capturar o animal.

O delegado, então, era Edsonir Soares, um sujeito polêmico, muita gente na cidade torcia o nariz para ele, pois atuava politicamente, mas gostava de fazer grandes operações policiais e tinha simpatia pelo jornal. Sempre que estava fazendo algo vultoso, chamava a gente.

Embarcamos no nosso fusca e fomos até o Araçá. Ao chegarmos quase no Estaleiro, lá estava o animal, na descida da rua, as orelhas abanando nervosas, olhando desconfiado para o policial militar que esperava, já com a arma na mão.

O boi havia sido financiado pelo vereador do bairro, o Alex Monteiro, daí o interesse do delegado em fazer cumprir a lei – eram opositores. A intenção era abater o bicho, mas Alex negociou a remoção dele e esperavam um caminhão para fazer isso. O problema era que o animal estava agitado e ameaçava sair correndo a qualquer momento…

O PM parecia também nervoso e apontava seu revólver em direção à cabeça do animal. Edsonir puxou a escopeta. Com a câmera na mão, o Candôco atravessou a rua e subiu no barranco do lado oposto, atento a qualquer lance.

Nisso, o animal ensaiou um passo, se mexeu um pouco mais… e começou a andar. Quase à queima-roupa, o PM atirou na cabeça do bicho e ele disparou! Passou por mim e ia passando pelo delegado, que engatilhou a escopeta e derrubaria o boi ali mesmo. No entanto, do outro lado, na linha de tiro, lá estava o Candôco, com a câmera na frente do rosto. Quando viu o Cândoco na mira, Edsonir baixou a arma e disparou por baixo do animal, que sumiu em disparada. A bala acertou o barranco, um pouco abaixo de onde o Cândoco estava, que desapareceu no meio da fumaceira.

Candôco viveu as situações mais inusitadas na pele do fotojornalista do Pirão

Na minha lembrança, a ação aparece como num desenho animado. Parecia que o Candôco ia escorregando como gelatina pelo barranco, tamanho o susto. E perdeu a compostura: “Tás doido! Qués me matar!”, gritou para o delegado, completamente transtornado. Ainda hoje, lá pelos arquivos que o Luiz mantém do jornal, tem a foto, toda tremida, do momento em que o boi passa e o policial atira contra o Candôco.

O Edsonir, ainda hoje, sempre que encontra o Candôco, dá muitas risadas com o episódio, diz para quem quiser ouvir “eu quase matei esse cara!” e conta a história. Desconfio que em nenhum momento ele perdeu o controle da ação. Atirou mesmo foi para matar de susto o Candôco. E conseguiu.

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