E hoje se vai o Tatuíra

Faz um tempo, chamou-me a atenção o fato de uma lanchonete de nome Porto Viking fechar suas portas, após persistir um verão e meio, talvez dois.

Era um gancho irresistível para introduzir um problema que se tornava evidente e que o fotógrafo Gilmar Castro recentemente batizou de “desertificação do Centro”: uma tendência de os pequenos negócios da cidade encerrarem suas atividades, deixando para trás uma quantidade escandalosa de salas vazias e placas de “aluga-se”.

A ideia do Viking parecia boa porque sugeria uma metáfora (ou licença poética): nem a resiliência do bravo nórdico foi capaz de vencer a aridez da economia local. Sem contar que o negócio ocupava um espaço que já foi representativo do comércio portobelense (o Centro Comercial Dolce Vita), mas que hoje está quase às moscas. A Ofício das Artes, loja de artesanato de longa data, já havia saído, bem como a Tok’s, do mesmo segmento. Atualmente, praticamente só o tradicional barbeiro Luiz Roslindo bate cartão naquele “soturno”, como diria meu pai.

Passou o tempo, mais portas se fecharam e hoje temos que a petisqueira Tatuíra, um dos bares mais célebres do Centro, faz seu último serão. Como não poderia deixar de ser, a banda Música Orgânica, dos parceiros Carlinhos, André e Cezinha, ficou encarregada de realizar o show derradeiro da casa.

DESERTIFICAÇÃO

Em razão de mais essa importante baixa, Gilmar Castro voltou a abordar o fenômeno em sua página no Facebook. “Sabemos que existem vários motivos para isso: a economia nacional, como um todo, encontra-se em recesso. O governo do Estado está, também, passando por uma crise política gravíssima”, observou Gilmar — que, por sinal, tem seu negócio vizinho ao Tatuíra.

“Existem, contudo, problemas únicos ao nosso município”, continuou o fotógrafo, destacando a questão da mobilidade urbana, cujos obstáculos já não se resumem à alta temporada. Seu post mereceu, até aqui, 28 comentários.

É difícil, realmente, estabelecer os motivos para a ressaca da economia local. O penoso cenário nacional sem dúvida contribui: a escalada dos preços no mercado corrói o poder aquisitivo do sujeito, que se vê obrigado a limitar opções. Há muita gente desempregada e sem perspectivas também.

Fechamento do Tatuíra agravou o fenômeno de “desertificação do Centro”

Há mais coisas, sem dúvida. O pedágio no morro de Bombas, que de certa forma represa os turistas do lado de lá, como sugeriu o músico André em comentário no post do Gilmar, poderia ser uma delas. Ou as filas enormes do verão, que sufocam a avenida principal. E também a infraestrutura precária do Centro, que faz dele um pobre cartão-postal. E podemos ainda supor que a instalação dos grandes atacadistas no bairro Perequê exerçam uma forte pressão sobre os pequenos negócios da cidade.

Mas me intrigou o comentário que Marlun Rebelo, amigo de infância, fez em resposta ao que Gilmar postou. “Estamos nos tornando um bairro de pobres e em breve sem opção de compra e geração de emprego, como já acontece”, escreveu Marlun, que defende a revisão do plano diretor do município para que se permita construções com mais patamares na região central. “Mercado de luxo, verticalização, aliada com o mercado náutico de luxo”, resumiu ele o que considera ser a solução.

VERTICALIZAÇÃO

A ideia de verticalizar o Centro não é nova. Vem de antes do atual cenário e corresponde ao desejo de algumas pessoas de verem Porto Belo se equiparar a Bombinhas e Itapema no segmento da construção civil, com todos os negócios que adviriam daí.

Os que defendem esse ponto de vista normalmente veem quem prefere manter o Centro “histórico” como arautos do atraso. Aí está o Marlun que não me deixa mentir: “Meia dúzia de pessoas que são contra o crescimento, que entram com ação no MP para proibirem obras, como por exemplo o Segundo Acesso, é que são de certa forma culpadas desse processo de fechamento do comércio”, completa o meu amigo.

Não sou expert no assunto, mas acredito que a verticalização traz sérios problemas que quem a defende esquece de mencionar: piora das condições de saneamento e balneabilidade, êxodo dos moradores tradicionais em decorrência da valorização das unidades prediais, aumento da população fixa acima do que a cidade suporta e agravamento do problema de abastecimento de água — que, aliás, está no centro da mais recente polêmica entre Porto Belo e Bombinhas.

Falando nessa relação, me ocorre que talvez um pouco do problema seja de fundo psicológico. Penso que nós, cá de Porto Belo, sofremos uma espécie de “síndrome de vira-lata”, conforme descrita pelo grande Nelson Rodrigues, que faz com que, desde a emancipação do balneário vizinho, nos vejamos como patinhos feios e não consigamos perceber as boas coisas que temos aqui. Pode não influenciar em nada, mas com certeza não ajuda ter uma autoestima tão baixa.

Mas, voltando ao que comentou o Marlun, sou daqueles que pensam que o Centro deve seguir sendo “histórico” e que tenha o seu planejamento voltado para o convívio e a mobilidade das pessoas (como sugeriu Gilmar), com amplos espaços para a circulação de pedestres e um desenho urbano que privilegie a identidade da cidade (de inspiração portuguesa). Um local pitoresco, com diferencial em relação aos vizinhos e que ofereça motivos para alguém querer parar (não vejo a construção de mais prédios como razão suficiente).

EXEMPLO DE FORA

Recentemente, o jornalista William Wollinger Brenuvida, também em post no Facebook, mencionou a cidade alemã de Heildelberg como um exemplo para a sua Governador Celso Ramos: “Imaginem se pudéssemos investir em mobilidade urbana, locais públicos, transporte marítimo, despoluição de rios e do mar!”, sonhou ele. Exagero comparar nossas cidades com uma joia como Heildelberg ou qualquer outra cidade histórica europeia? Colocá-las em pé de igualdade, sem dúvida, mas usá-las como modelo de desenvolvimento, penso que não.

Além disso, solucionar o problema do saneamento básico é pauta urgente, urgentíssima.

Claro que tudo isso esbarra em dificuldades. Dinheiro é a principal delas, e lidar com a falta de espaço para aplicar algumas melhorias urbanas também atrapalha, basta ver como a Governador Celso Ramos se espreme entre parcas calçadas e muitos postes em alguns trechos. Faltam árvores, canteiros, limpeza das vias e um discurso afinado entre os setores produtivos e o poder público, no sentido de viabilizar um plano integrado de revitalização do Centro (não com vistas a descaracterizar o que já estava bom, como aconteceu com a Praça da Bandeira) e dar publicidade de tudo isso, de maneira a capitalizar com o que poderia se chamar “a retomada do Centro”.

Faz muito mais sentido, no meu ponto de vista, poder levar minha filha para assistir a alguns artistas de rua de diferentes países apresentando seus belos teatros de bonecos, como aconteceu nesta quinta-feira e no domingo, sem alarde nem fanfarra quando deveria ter, do que caminhar à sombra de arranha-céus. Mas, repetindo o amigo Marlun, essa é a minha singela opinião.

E qual é a sua?

Em tempo: vai deixar saudades o Tatuíra…

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  1. Je

    Matéria muito bem escrita!! Concordo que a verticalizaçao não é a saída!! Nossas praias são tão lindas e trazem tanta cultura mas pouco divulgadas. Bombinhas tem uma cultura linda, mas se perdeu por crescer o olho em cima do turismo, sendo que a cidade não tem estrutura pra um turismo tão intenso, e a TPA não é a solução dos problemas, só fez prejudicar ainda mais Porto Belo.

  2. Ana

    Parabéns pelo artigo…. claro, objetivo e de uma sensibilidade imensa!!
    Um grande prazer ler suas palavras Dil!
    Por uma Porto Belo melhor❤️

  3. LUIS DAL CORSO

    Também concordo que a verticalizaçao jamais será uma boa saída. Ainda mais que nao contamos com nenhum sistema de saneamento. Sem saneamento nao dá para pensar em construir prédios mais altos….

  4. Lucia Margarida Currlin Japp

    Tens toda a razão. O centro de Porto Belo não combina com prédios: é uma baia pequena, cercada por morros. O calor será terrível. Além disso, para quem não sabe, existem 6 LEIS QUE PROTEGEM O CENTRO HISTÓRICO DE PORTO BELO ( Lei Complementar nº1/2003 ; 2) Lei de Tombamento, nº 1801/2010; 3) Anexo III da Lei Complementar nº 33/2011; 4) Decreto 915/2011; 5) Lei Complementar nº42/2012; 6) Decreto Lei nº 1132/2013). Portanto, é uma violência pensar em prédios. A solução não está aí. Ela deve vir da liberação toral do trânsito para Bombinhas pelo nosso centro. E isso não se conseguirá com a estrada pelo morro. Os caminhões continuarão passar pelo centro; continuaremos a ser a “Entrada de Serviço” de Bombinhas…

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