O Diabo Loiro

Faz um tempo, ao voltar para casa, encontrei o Lipa. Como sempre, em sua bicicleta. Na conversa, ele pediu: – Faz pra mim uma estampa do “Diabo Loiro”. Respondi que sim e ele avisou que no domingo seguinte estaria ali na minha casa (éramos quase vizinhos) para o trabalho. Mas jamais apareceu.

Quem conheceu o Lipa vai se lembrar do sujeito afável, de uma magreza de faquir, barbado, quase sempre pilotando tranquilamente uma “magrela” ou pintando alguma parede. “Diabo Loiro” era como ele gostava de se intitular, em alusão aos seus bons tempos como goleiro no futebol de areia de Porto Belo.

Curioso era vê-lo, nesses últimos tempos, passeando pela vizinhança com o Tonico pela coleira, este convalescendo de um atropelamento recente. Difícil saber qual dos dois inspirava maior comiseração.

Certa vez, o Lipa pediu que o internassem, me contaram, depois que havia torrado todo o salário de um mês numa única noite. Em outra ocasião, foi recolhido desacordado na beira de uma estrada, abandonado pelos colegas de cachimbo.

Faz alguns dias, chegou em casa, trancou-se no quarto e se bateu com seus demônios durante toda a noite. O resultado foi desastroso para o “Diabo Loiro”: encontraram-no devastado e o retiraram do quarto na madrugada como um cristo recolhido do calvário. Disseram que os socorristas, ao vê-lo, perguntaram se havia tomado uma surra.

Lipa adormeceu no sono do coma para não mais acordar. No velório, teve a companhia da Nadir, outra que andou por trilhas tortas. Foram enterrados nesta linda manhã de outono.

 

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  1. Vadão

    Realmente, a gente sente muito pelo Lipa, que aproveitou a vida do seu jeito, a la vonte’…passava por mim e dizia…Vadão, te cuida que tá minha área, sempre parecendo que tava tudo bem.
    Seus amigos estão aí, quem sabe, abrindo mais os olhos, as mentes e seus horizontes.

  2. Preta Meneghelli

    Lipa, o ” Diabo Loiro” e um anjo de asas tortas, que permitiram um voo em direção contraria ao que se imagina ser
    uma vida ideal. Pena que seu “ideal de vida ” foi o mundo obscuro das drogas. E perdemos, infelizmente, meu irmão para a maldita. Muitas familias ja perderam e desgraçadamente continuarão perdendo seus entes queridos.
    Só espero, do fundo da minha alma e do meu coração, que muitos busquem nesse triste exemplo, forças para sair e coragem para nunca, jamais, em tempo algum, entrarem.

    A tristeza é imensa. Esta sendo muito dificil, mas era desesperador ver meu irmão se matando aos pucos.
    O Lipa, por seu coração bom e generoso, teve entrada livre nas portas do céu e agora descansa em paz. Clamo a Deus, que os que aqui ficaram, não encontrem na morte a unica libertação para o vício.
    Obrigada a todos pela demostração de carinho ao meu querido irmão, que era um homem de coração puro, era amigo de todos e que amava os animais.

    Descanse em paz meu irmão. Deus te libertou e isso nos conforta, apesar da saudade.

  3. “Grande Primão” era assim que o lipa sempre me chamava, ser humano antes de tudo com muitos predicados tambem, apesar de tudo admiro toda sua coragem de viver a vida e pagar o preço que ela cobrava. Tem uma musica do lobão que diz assim “Melhor viver dez anos a mil do que mil anos a dez.” Vai em paz e segue teu caminho, quem sabe um dia a gente bate aquela bola nos campos do paraíso.

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